29 dezembro 2006

QUANDO O DINHEIRO FALA CHINÊS

Já desisti de propor desafios arriscados aos leitores e deixei-me das ilusões que aqui também vêm leitores sofisticados como os do Abrupto que se manifestam maravilhados pela beleza da poesia matinal de François Villon, quando a lêem escrita no original, em picardo, o francês setentrional arcaico em uso no século XV… Simplificando, e sem passar trabalhos para casa, o senhor da fotografia do lado chama-se Wu Ping-Chien (1769-1843), também conhecido - por quem o conheça... - por Howqua.

Numa época (princípios do século XIX) em que, na Europa, se começava a ouvir falar das fortunas colossais resultantes das actividades comercial e bancária, onde os 4 irmãos Rothschild lançavam as bases da sua organização europeia (Salomon na Áustria, Nathan no Reino Unido, Calmann na Itália e Jacob em França), aquele que seria possivelmente o homem mais rico do mundo na época – à falta de uma lista anual como aquelas que a revista Fortune agora publica… – viveria em Cantão, na China.

E pertenceria também, como os Rotschild, a um poderoso clã de mercadores: o pai de Wu Ping-Chien era um dos raríssimos mercadores chineses que dispunha da autorização necessária para comerciar com o exterior. Uma actividade que permitiu aos Wu entesourar uma enorme fortuna em metais preciosos (especialmente prata), dado que as autoridades chinesas da época não se mostravam interessadas em adquirir ao exterior bens ou serviços que equilibrassem a sua Balança Comercial.

Diga-se, de passagem, que foi para atenuar este enorme desequilíbrio que os britânicos e a sua Companhia das Índias se lembraram de fomentar as exportações de ópio indiano – um produto que tem uma certa tendência para fidelizar a clientela… – com muito más consequências para a China: duas guerras – ambas chamadas Guerras do Ópio – perdidas em 1839-42 e 1856-60, com a correspondente assinatura de tratados, englobando a cedência territorial de Hong-Kong e a renúncia aos direitos comerciais nos portos mais importantes da China…

Mas, regressando à esquecida figura de Wu Ping-Chien, o homem mais rico do mundo do seu tempo, são várias as histórias associadas à colossal dimensão da sua fortuna: suportou por sua conta a reparação dos diques do enorme e importante rio das Pérolas – é o rio em cuja foz se situa Hong-Kong e Macau – ou contribuiu individualmente com mais de um milhão de dólares em prata para a indemnização que a China teve de pagar no seguimento da Primeira Guerra do Ópio.

Internamente, Wu viveu sempre sob uma pressão constante da elite dos mandarins, numa demonstração evidente que há sociedades onde o poder económico – mesmo descomunal – tem que se vergar ao poder político*. A sua maior ambição, para além da sua gigantesca fortuna, era que o seu filho mais velho fosse aprovado no exame de admissão a essa carreira e assim se viesse a tornar também num mandarim, desejo que nunca veio a ser concretizado.

Ultrapassado este pequeno interregno de 200 anos (quando medido pela escala da História da China), a economia chinesa parece ter retomado o seu hábito de ficar desequilibrada nos volumes das suas trocas com o exterior, reatando-se a actividade de entesourar, que outrora foi a imagem de marca da fortuna de Wu Ping-Chien, só que agora ela já não se faz em metal precioso, mas em divisas e títulos, sobretudo de origem norte-americana.

E, embora o possuidor da maior fortuna mundial seja actualmente o norte-americano Bill Gates, e a China (ainda) não possua, enquanto economia emergente, o equivalente aos nomes dos Tata ou Mittal da Índia, o nome de Zhou Xiaochuan, guardador do tesouro chinês enquanto governador do seu Banco Central, é um nome que já não se pode perder de vista, quando se fala em dinheiro, muito dinheiro…

* Veja-se o que aconteceu a Khodorkovsky, na Rússia, antigo dono do gigante petrolífero Yukos, e agora desterrado para uma cela de prisão na Sibéria por se ter oposto frontalmente a Putin…

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