14 outubro 2006

AS INDEPENDÊNCIAS AO LONGO DO SÉCULO XX (8)


5) As Descolonizações Residuais (1976-1984)

A configuração do mapa do Mundo já estava de acordo com os desejos das superpotências. Simbolicamente, e embora o seu propósito fosse outro, o Acordo de Helsínquia de 1975 também pode ser interpretado como o estabelecimento de um modus vivendi entre os dois, em função da nova ordem internacional. Como se se tratasse de um gigantesco jogo de xadrez mundial, americanos e soviéticos moviam as suas pedras (influência) para as casas vazias (países) e estavam atentos às jogadas do oponente: os Estados Unidos ganhavam o Egipto aos soviéticos, que ganhavam a Etiópia aos norte-americanos, que se desforravam com a Somália... Aproveitando a metáfora do xadrez, com a lucidez da distância temporal, percebe-se agora que era essencialmente um jogo de peões: nem Reis, nem Rainhas (as superpotências), nem sequer Torres (os grandes países europeus, por exemplo) se movimentavam. Mesmo quando Kissinger sustentou que não faria diferença que um Bispo (Portugal) pudesse mudar de campo, houve muitas sobrancelhas que se levantaram...

A atitude das antigas potências coloniais pode ser equiparada a um encolher de ombros filosófico e que se pode traduzir no nosso ditado tradicional: já que levaram a carne, haja alguém que se encarregue também os ossos... Pelos ossos entendam-se os pequenos territórios que ficaram depois da emancipação dos países que eram realmente importantes. Foram 13 países a alcançar a independência neste período, mas que representavam uns míseros 0,04% da população mundial. A enumeração do nome da maioria deles poderá provocar numa maioria dos leitores as perguntas instintivas – Qual? Onde é que isso fica?

Por atenção ao rigor diga-se que foram as Seychelles (1976), no Índico, Djibuti (1977), em África, Salomão e Tuvalu (1978), Kiribati (1979) e Vanuatu (1980), no Pacífico, Dominica (1978), Santa Lúcia e São Vicente (1979), Antígua e Belize (1981), São Cristóvão e Nevis (1983), no Caribe e América Central e finalmente Brunei (1984), um sultanato rico em petróleo, do tipo árabe, só que situado na Indonésia.

A grande maioria destes países são pequenas ilhas ou arquipélagos, isoladas, que se transformam num fardo para um poder que deixou de aspirar a quaisquer pretensões a intervir significativamente à escala mundial. Que condições geográficas as separam das ilhas portuguesas da Madeira e dos Açores, das Canárias espanholas, da Córsega francesa, da ilha de Creta grega, da de Oquinava japonesa ou do estado americano do Hawai? Muito pouco ou quase nada, a não ser talvez, o facto de serem mais pobres, disporem de menos recursos, estarem mais isoladas e não disporem de um orçamento central que contribua para as necessidades básicas da população.

Será que existiram culpados nesta situação? Por um lado, houve a evolução do pensamento sobre a organização da ordem internacional, que foi levada cinicamente (é possível falar de cinismo em relações externas?) aos seus limites extremos pelas antigas potências coloniais; por outro, a estreiteza de vistas das elites destes pequenos países, que, deslumbrados pela possibilidade da projecção social de poderem ser presidentes ou ministros ou embaixadores de países, de quem, afinal, ninguém ouviu falar, esqueceram as realidades das condições de viabilidade económica das regiões e das populações que dizem representar.

Para os países recentes de maiores dimensões, houve (e há) um outro tipo de problemas que se levantaram: o da sua coesão nacional. Com o pensamento político internacional dominado pelo axioma de que a melhor forma de defesa da identidade nacional passa pela independência, com um governo, uma bandeira, um hino e um lugar na ONU, muitos foram os grupos nacionais dentro das fronteiras destes novos estados que pegaram em armas para conseguirem a secessão. Contrariamente ao período clássico já não são os europeus os opressores: as revoltas dos curdos no Iraque, dos sarauís em Marrocos, dos sikhs na Índia, dos karens na Birmânia, dos timorenses na Indonésia, são coincidentes em evidenciarem que o colonialismo não era um exclusivo dos brancos. Mas, já em 1960, no período da euforia, a propósito da independência do Togo, o papa João XXIII alertava que a independência não resolve todos os problemas.

Como acontece às molas demasiadamente comprimidas, a retenção excessiva dos movimentos de emancipação, levou a febre das independências ao seu extremo oposto. Tornou-se politicamente incorrecto que um povo manifestasse o seu desejo de permanecer ligado a uma metrópole – quando isso era expresso pelas urnas, a potência colonial era acusada imediatamente de manipulação do acto eleitoral. Só que tudo isto se passava num mundo em que as relações do poder geopolítico permaneciam estáveis. Estava reservado para o último decénio do século a sua alteração profunda.

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