13 julho 2006

QUANDO PACHECO PEREIRA ME PARECEU EM PERIGO DE PERDER AS BARBAS…

Diga-se o que se disser, continua a haver momentos interessantes de televisão, daqueles que nos surpreendem. Acontecem quando o interveniente desempenha um papel que dele não é esperado, surpreendente. Entre comentadores próximos do PSD, é um deleite quando Marcelo (Rebelo de Sousa) faz uma pachecada ou, por oposição, a (José) Pacheco Pereira dá-lhe para uma marcelisse.

O público, fiel e atento, fixado por Marcelo não é do tipo que mostre grande apetência e interesse por escutar normas teóricas orientadoras que deveriam reger o assunto em discussão – as famosas pachecadas – fosse ele a actividade política em geral ou simplesmente o comportamento na blogosfera. Marcelo já não se atreve a esse tipo de abstracções, desconfiado que o seu actual auditório cativo nem sequer o acompanharia.

Em contrapartida, Pacheco Pereira ainda se pode permitir a sua marcelisse de quando em vez, o que aconteceu ainda ontem no seu programa Quadraturadocírculo onde, a propósito da recente condenação pelo Supremo Tribunal norte-americano da legalidade do sistema prisional instalado pela presente administração em Guantanamo, falou, falou, falou, contornando propositadamente a essência do assunto, uma especialidade domingueira do seu companheiro de partido.

E de que tanto falou Pacheco Pereira? Em primeiro lugar da dualidade de critérios na forma como se aborda o desrespeito de americanos e russos pelos prisioneiros das suas lutas contra o terrorismo. É verdade. O desempenho dos americanos é mau e o dos russos é péssimo. Mas, sendo um problema também de direitos humanos, não me parece que uma delas, deficiente, melhore pela evocação de outra, ainda mais deficiente.

Em segundo lugar, veio um tópico muito imaginativo, a proposta para que se procedesse à revisão da legislação internacional existente sobre prisioneiros. Uma ideia inovadora, refrescante, a abraçar com dois braços, não fora a circunstância dos Estados Unidos ser provavelmente o país mais relutante a aceitar para a sua ordem interna normas de direito internacional entretanto estabelecidas – como acontece com as do Tribunal Penal Internacional – facto que o proponente não deve desconhecer.

Na terceira parte, Pacheco Pereira justificou o acontecimento à posteriori. Os Estados Unidos são uma grande democracia, apesar do tempo que demorou a ser corrigido, o erro está corrigido, fim de conversa, passemos a outro assunto.

Para um conversador emérito como ele, a conversa poderia ser estendida para a evidente má-fé demonstrada pela administração norte-americana ao escolher o local de detenção (Guantanamo*) ou à evidente carga política da decisão tomada de ali encerrar os prisioneiros demonstrada pela relutância nela assumida pelos serviços jurídicos do Pentágono.

É evidente que a opinião de José Pacheco Pereira sobre estes assuntos é conhecida, o que foi surpreendente foi a forma como a (não) defendeu. Foi engraçado, mas não estava à espera de presenciar a uma quarta-feira, com um senhor de barbas, as habilidades que costumo ver ao domingo, com um senhor que já as teve, mas há muito as cortou.

* Guantanamo é uma base norte-americana em território cubano, onde este país não exerce jurisdição, devido à inexistência de relações entre Cuba e os Estados Unidos. Esta indefinição legal também foi utilizada para atrasar todo o processo que culminou na decisão do Supremo Tribunal norte-americano.

1 comentário:

  1. Também gostei da pirueta argumentativa de nos transformar em hipócritas e aos jogadores em honestos profissionais que queriam salário por bom trabalho efectuado!

    ResponderEliminar