26 junho 2006

UMA RESPOSTA A PAULO GORJÃO

Caro Paulo Gorjão:

O “mal” de que é acusado – e a expressão com as aspas é sua – é o de tentar mostrar um comportamento sempre demasiado benigno da parte australiana nas análises (excelentemente documentadas, deixe-me cumprimentá-lo) que tem vindo a produzir sobre o problema timorense.

Entendamo-nos e deixemo-lo claro para quem esteja eventualmente a seguir esta troca de impressões: há muitos aspectos em que compartilhamos opiniões, nomeadamente no desenlace a longo prazo da presença e dos interesses portugueses naquela região, que se irão desvanecer.

Também suspeito que estaremos em sintonia quando considero que não haja intervenientes inocentes nos problemas de Timor: Austrália e Indonésia em lugar de destaque, depois aparecem os outros, Japão, China, vizinhos próximos como as Filipinas, a Malásia e a Nova Zelândia, Portugal, como antiga potência colonial, e os Estados Unidos, como potência global.

Considero, aliás, a visita do Primeiro-Ministro australiano à Indonésia que menciona no quadro dessas relações que se pretendem manter boas entre vizinhos próximos. Movimentações de tropas deste género não se fazem sem uma visita de cortesia, sem se dar uma palavrinha por quem nos merece respeito.

Essa sintonia consigo continuará a existir quando à convicção de que a actual crise deve ter sido produzida a partir de elementos endógenos da política timorense. Já lá estavam as rivalidades e as animosidades pessoais, que se extremaram ao ponto de poderem ter descambado numa guerra civil, como escreve.

A discordância consigo começará talvez na opinião sobre a forma como as forças australianas se têm comportado. Ambos conhecemos este estilo de modus operandi australiano de outras intervenções suas noutros países da região como as ilhas Salomão ou Vanuatu. As histórias de uma descarada parcialidade australiana, que ouviu (e ouvi) no Expresso da Meia-Noite da SIC, terão tido ali vários antecedentes.

Não me parece que lhe esteja a dar nenhuma novidade contando-lhe como, a propósito de um incidente semi-recente com independentistas da Papua Ocidental, a Austrália tratou do assunto directamente com a Indonésia, cilindrando no processo o governo da Papua Nova Guiné, o país com quem a Indonésia tem de facto as suas fronteiras terrestres.

O facto dos australianos tratarem assim, muito no seu estilo sem cerimónias, todas as antigas colónias britânicas da Oceânia, não os devia ter eximido de terem tido, neste caso, o cuidado de terem tido um tratamento distinto para Timor-Leste, um país ainda em disputa e em fase de cicatrização.

Ironizando só mais um pouquinho, o país ainda não é propriamente território australiano como se poderia depreender da paginação do diário The Australian, que tem publicado os assuntos sobre Timor na sua página de assuntos nacionais… É aliás, desse mesmo jornal, que vale a pena ler um editorial recente (27/06) que ainda sedimenta mais as minhas convicções que a Austrália não faz - nem fez - tenção de sair de Timor durante os próximos tempos.

Quanto ao desempenho da política externa portuguesa, tenho a convicção de que discordamos nos pressupostos sobre a causa das divergências da parte portuguesa com a australiana. Para mim, elas estavam marcadas desde o começo, com a recusa da parte australiana em atribuir à parte portuguesa a importância a que ela se julga com direito.

Por isso, não me parece que maior parte das causas das divergências tenham a ver com o estilo ou com o “megafone” (para usar a sua expressão), mas teremos uma boa oportunidade de esclarecer isso – e espero estar enganado no meu cepticismo – ao verificar qual será a reacção australiana às declarações – correctas no seu e no meu entender - do secretário de estado Cravinho.

Esteja eu enganado neste último aspecto e acredite que será com imenso gosto que reconhecerei o meu engano… Mas note que me estou a referir às reacções australianas, não a declarações - mais ou menos polidas - da parte portuguesa tentando tornar normal no discurso, aquilo que no terreno e na prática continua na mesma.

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