25 junho 2006

O MENINO DA SUA MÃE - 1



No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado
- Duas, de lado a lado -,
Jaz morto, e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.

Tão jovem! Que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino da sua mãe».

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.

De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:
"Que volte cedo, e bem!"
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino da sua mãe.

Uma das características mais impressionantes deste poema de Fernando Pessoa é a sua intemporalidade. Escrita provavelmente com referência à 1ª Guerra Mundial, poderia ser lido e declamado assentando na actualidade de então como uma luva, mais de 50 anos passados, pensando na Guerra Colonial. E traduzido para inglês, ainda hoje muitas mães de soldados norte-americanos caídos no Iraque poder-se-ão reconhecer nele.

Outra das facetas mais marcantes do poema é a crueldade inusitada, muito estranha e fora do normal no estilo de Pessoa, do trecho composto pelos últimos três versos da antepenúltima estrofe: Está inteira e boa a cigarreira. Ele é que já não serve. Mas terá sido precisamente por causa dessa invulgaridade que dele me lembrei ao ler hoje uma notícia do Diário de Notícias (p.15), em que Dick Cheney se mostra irritado com notícias que revelaram programa secreto.

O programa secreto em questão é o de seguir os fluxos financeiros interbancários de forma a conseguir identificar as redes do terrorismo internacional. Sem discutir a pertinência e a premência do programa, com a qual concordo, é preciso que Cheney não se esqueça que ele e os seus amigos já hipotecaram a sua credibilidade ao anunciarem armas de destruição maciça onde não as havia, entre muitas outras peripécias.

Ou, parafraseando aqueles três versos de Pessoa: Estamos de acordo que é bom o programa. Ele – que o dirige – é que já não inspira confiança nenhuma.

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