06 junho 2006

AINDA TIMOR

Racionalmente não parece existir qualquer razão para este desproporcionado desenvolvimento acerca do assunto Timor, mas a sua permanência como tema importante, mais do que na comunicação social clássica, aqui no mundo muito mais espontâneo dos blogues, parece demonstrar que, como no ditado, há razões que a razão desconhece.

Como mera prova daquilo que acima escrevi, escolham-se os dois países da mesma dimensão demográfica aproximada de Timor que lhe fiquem mais próximos geograficamente, e perguntemos onde fiquem. Onde se localizam as Fidji? Onde fica Maurício? Duvido mesmo que pessoas com formação superior na matéria pudessem, de surpresa, escrever mais do que um parágrafo de cinco linhas sobre qualquer destes dois países. Não fosse a especificidade de Timor, acontecer-lhe-ia o mesmo.

Ceterum censeo* – como diria Catão – antevejo um cenário daqui a cinquenta anos em que o facto de Timor ter o português como sua língua oficial distinta (se isso ainda se mantiver) será considerado como um pormenor pitoresco da presença portuguesa na Ásia, como a fachada da igreja de São Paulo de Macau ou as ruínas da velha Goa. Os interesses que os portugueses considerarão vitais, estarão, quase de certeza, muito mais próximos geograficamente.

E pur si muove** – seria a resposta de Galileu – o tema Timor permanece actual e actualizado também aqui na blogosfera. Sem votação expressa, mas sem desprimor para os restantes, considero que Paulo Gorjão no seu Bloguítica foi eleito por unanimidade e aclamação como o especialista mais interessado e mais qualificado no tema. E é com algumas opiniões que ele expressa a propósito do tema que dei em discordar.

Um dos aspectos saudáveis da blogosfera é a possibilidade da coexistência pacífica de ideias: eu na minha, ele na dele, os dois na boa. Parece-me que não compartilho a opinião geral de Paulo Gorjão sobre os recentes acontecimentos de Timor. E digo que me parece porque se tenho alguma segurança na opinião daquilo que ele acha que não está a acontecer, não a tenho sobre aquilo que ele acha que está a acontecer.

E entre o que me parece acontecer, está uma manobra muito bem gerida – o facto de ter sido patrocinada será muito mais difícil de provar e, por outro lado, é evidente que a matéria-prima pode ter sido generosa e espontaneamente fornecida pela parte timorense – por Camberra, numa linha parecida com as das anteriormente montadas noutros países da Oceânia.

Há perguntas que não se devem fazer: Paulo Gorjão deve saber que a Austrália desde sempre procurou controlar os seus corredores de aproximação estratégica – a Papua Nova Guiné, as Salomão e também Timor – e isso aconteceu muito antes da descoberta de petróleo. As batalhas de Guadalcanal na 2ª Guerra Mundial travaram-se pela posse de algum recurso importante? Evidentemente que não.

Há apreciações que só a ingenuidade (que Paulo Gorjão não parece ter) pode produzir: a questão da incompetência de Alkatiri é irrelevante para a decisão australiana de o afastar. Eles não têm confiança nele e querem-no substituir. Relembro uma frase que penso ser atribuída a Harry Truman referindo-se a um ditador centro-americano: “Claro que é um filho da puta. Mas é o nosso filho da puta!” Se nesta coisas de real politik até se protege um filho da puta porque não um incompetente? A questão é que Alkatiri até podia ser um virtuoso mas não é o virtuoso da Austrália.

Há acontecimentos que podem ser passíveis de outras interpretações. A visita do ministro dos negócios estrangeiros australiano Alexander Downer pode ser interpretada, e eu interpreto-a assim, como uma acção para deitar água na fervura depois de se terem apercebido em Camberra que, apesar do sacrifício de dois dos seus ministros, não era desta que conseguiam deitar Alkatiri abaixo. Alkatiri, como Gorjão muito bem assinala, até compensou Lobato com o lugar de Vice-Presidente da Fretilin.

Entretanto, o que me escapa de todo é o racional que acha natural e aceitável que o chefe de governo de um país (Austrália) mantenha um contingente das suas forças armadas noutro país onde, ao mesmo tempo, critica fortemente o seu homólogo! Se se aborrecer, faz um golpe de estado com as suas tropas que estão estacionadas no país do outro? Eu bem sei que as relações internacionais são férteis em anacronismos mas para este não me lembro de precedentes…

Sobretudo, a minha recomendação cínica para os timorenses é a que arranjem um outro país protector que os defenda da Indonésia e, agora, também da Austrália. É que eles precisam mesmo disso, e Portugal, para além do sentimentalismo, longe como está, pouco mais pode oferecer do que aquilo que tem oferecido – com tendência para diminuir à medida que o sentimentalismo passa.

É evidente que, para mim, Paulo Gorjão permanece O especialista da blogosfera em assuntos da Oceânia, apesar destas minhas evidentes discordâncias. Se guardei estas considerações para o fim foi para dar mais relevância à sinceridade com que as escrevo sem a censura de as usar ao princípio, como frequentemente se faz, como forma de amenizar a traulitada que se segue.

*Quanto ao resto (loc. latina)
** E contudo ela move-se (loc. italiana)

3 comentários:

  1. Brilhante. Este post põe de vez no sítio aquele asno arrogante do Gorjão.
    É óbvio que a Austrália está metida nisto até à raíz dos cabelos porque Alkatiri não é "pau mandado" dos cangurus.
    Mais, o homem tem o azar de ser muçulmano (não praticante, é certo), o que o torna vítima do ódio paranóico da Igreja.
    Logo, Alkatiri leva dos australianos e leva da Igreja (que consegue manipular muita gente- vide os manifestantes de ontem, que vinham de autocarro, não a pé...).
    Mas não, o Gorjão acha os cangurus uns porreiraços. O MNE até o recebeu, calha bem!!! Olha lá o Prof. Freitas, se alguma vez recebia o Gorjão...
    E o Downer já foi à Austrália!! E o Howard também vai!! E o nosso Governo paradinho!! (realmente, ir da Austrália a Timor é um esforço... e Portugal que é já ali...)
    Não há pachorra para o Gorjão e os seus odiozinhos de estimação. E depois, aquela escola Pacheco dos blogues sem comentários... tipicamente comunista, querer controlar a informação.
    Continue a escrever posts destes, que já não se aguentam as gorjonadas!!

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  2. Lamento, mas este post pretende expressar apenas discordâncias com algumas opiniões emitidas por Paulo Gorjão no seu blogue.

    E não pretende pôr ninguém no sítio, a não ser, como afirmo no fim do post, no de alguém que me parece muito bem informado sobre os problemas de política internacional da Oceânia.

    A quem, deixe-me confessar-lhe, já tive oportunidade de pedir e receber alguns esclarecimentos sobre o assunto.

    Quanto a ódios de estimação, sabe quem segue este blogue, que também tenho os meus. Pelos vistos, também tem o seu. Seja democrata e deixe-o ter os dele...

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  3. Se calhar, António Cagica o problema é o oposto, aquela malta em Timor anda habituada a que lhe dêem atenção demais, por causa dos nossos "remorsos".

    Assim de repente, veja lá de quantos presidentes de PALOP sabe o nome? São cinco no total.

    E, não esqueçamos, o Xanana até foi ao programa do Manuel Luis Goucha na TVI...

    Deve ser um dos raríssimos casos mundiais em que um chefe de estado em funções participa num programa recreativo de televisão de um outro país!

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