09 dezembro 2005

O SEMÁFORO (UMA PARÁBOLA NÃO BÍBLICA)

Imagine-se uma fila de automóveis parada junto a um semáforo à espera que ele passe para verde. A luz cai, o condutor da frente deixa o carro ir abaixo. Começam as buzinas.
O desgraçado da frente, debaixo da barulheira, tenta fazer o motor do carro pegar. Vai abaixo. Mais uma vez. Abaixo. Em desespero, sai do carro e dirige-se ao que lhe está imediatamente atrás, um dos buzinadores mais exuberantes, pedindo desculpa mas pedindo-lhe ajuda, tudo isto sob uma cacofonia cada vez mais insistente. O vizinho sai do seu carro, gesticulando contrariado, mas ao dirigir-se para a frente repara que quem lhe pediu ajuda se deixa ficar para trás:
- Então não íamos fazer o seu carro pegar?
- Já agora, eu prefiro ficar aqui a buzinar por si…

Foi Guterres quem popularizou as expressões fazer parte da solução e fazer parte do problema. Como aconteceu com Guterres com muitas outras coisas mais importantes, esta também foi uma abordagem superficial da questão: a habilidade sempre consistiu em fazer parte do problema, pretendendo que se faz parte da solução. No caso concreto, demonstrar a mais expressiva indignação pelo impasse, buzinando, enquanto se enerva, com a maior das tranquilidades, quem tem, literalmente, a chave do problema na mão.

Esta extensa introdução, a pretender-se filosófica, serve para enquadrar o problema corrente (e bicudo) da aprovação do orçamento comunitário. A viatura da frente é o Reino Unido (a quem compete fazer a proposta) enquanto os restantes parceiros da União buzinam as suas reivindicações. Até Zé Manel Barrozo anda muito sonoro. Note-se que não há que ter pena da presidência britânica: também já teve a sua oportunidade de buzinar ardentemente no semestre passado, quando as responsabilidades pertenciam ao Luxemburgo. Mas convém que haja alguém que contribua para que o carro arranque antes do sinal mudar

Visto de fora e desapaixonadamente, o guião da União Europeia parece ter todos os condimentos de uma história que se arrisca a acabar em nada. Dizem os cínicos que falta à Europa actual uma ameaça externa conjunta que os force a reagruparem-se – foi o que Aécio fez em 451, ao conseguir juntar romanos e germanos contra a ameaça dos hunos. Era o que acontecia com a NATO - que actualmente já está quase reduzida a uma sigla - contra os russos.

A França e Alemanha são, pela evidência da própria geografia, indispensáveis em qualquer projecto de unidade europeia. Mas também não é arriscado prever que se engana quem pensa, como a História já demonstrou aliás, com Napoleão e com Hitler, que essa unidade se pode fazer em confronto frontal com a vontade do Reino Unido. Se alguém tivesse investido em acções de um eventual Ideal Europeu esta seria uma boa altura para as vender...

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