23 novembro 2005

OH LA LA ou UM POST CHIC (1ª parte)

Há quem considere os franceses gourmands; se o são, então não são honestos; sendo honestos, então não são gourmands. Há um teste simples que se pode fazer à frente de um açucareiro: quem tem açúcar de cana não adoça com qualquer outra coisa, a não ser se estiver a fazer alguma dieta. Ora o que se vê mais por França são aqueles cubinhos daquele produto que se extrai da beterraba. Nos sítios mais selectos até aparece ao café em competição com o açúcar amarelo e com o açúcar refinado. Pode ser raffiné; mas não é gourmand.
Para esclarecimento, só na época napoleónica é que se começou a dar grande divulgação àquela coisa de beterraba. O bloqueio continental imposto por Napoleão teve o efeito colateral de estancar o comércio de açúcar vindo das colónias, dominado pelos britânicos. Como sucedâneo ao açúcar, procurou-se apurar as estirpes de beterraba que contivessem maior teor açucarado para, por refinação, produzir algo de semelhante. E o resultado moderno são aqueles cubinhos que nos dão logo o gosto de estarmos no estrangeiro quando tomamos o café com leite da manhã.

Regressando à dúvida inicial, se os franceses são apreciadores mas desonestos ou, sendo honestos, a maioria faz-se mas é passar por apreciadora, quero dizer que qualquer das duas hipóteses é defensável.

No primeiro caso, aquele que questiona a sua honestidade, confesso que tenho uma certa dificuldade em validar uma classificação em que um arrondissement de Paris pode ter mais restaurantes classificados com três estrelas no guia Michelin dos que aqueles que assim são classificados em toda a Península Ibérica. Que diabo, o savoir faire não se esgota todo dentro do hexágono.

Mas, por outro lado, qualquer francês médio, quando confrontado com uma prova cega de um Serra genuíno ou de um Barca Velha, o melhor que lhe podemos arrancar é um “c´est pas mal” que, bidimensional, pode servir para apoiar o comentário de quem está a seguir, seja ele positivo ou negativo. Ou seja, suponho ser o melhor compromisso possível entre a honestidade de reconhecer que não se percebe nada do assunto e a pressão social que o impede de fazer esse reconhecimento.

E há que reconhecer que, independentemente donde estiver a verdade, a coisa funciona: a água-pé francesa tem um nome requintado – Beaujolais nouveau – e os japoneses parecem adorá-la.

(continua)

Sem comentários:

Enviar um comentário